Artigo publicado originalmente na Revista O Papel/ABTCP - Coluna Gestão e Estratégia
A Constituição Federal 1988 instituiu no seu Artigo 150 a isenção de tributos a todo papel que se destina a fins culturais e educacionais, com o objetivo, na época, de promover as artes, cultura e educação no país. Assim, mediante força de lei, surgiu o que o mercado chama de Papel Imune.
A indústria de celulose e papel nacional, representada principalmente pela IBÁ [1] e CNI [2], vem lutando desde então contra a comercialização de papeis que se “dizem” isentos de tributos, mas que por desvio de finalidade, são empregados para outros fins comerciais, tais como produção de catálogos comerciais ou impressos com fins publicitários, entre outras aplicações (o que é proibido por lei).
Com esta prerrogativa, o Estado brasileiro instituiu um sistema de registro, fiscalização e controle da produção (seja ele fabricado no Brasil ou importado), transporte, comércio e uso final do papel imune no país. A este sistema chamou-se RECOPI (Sistema de Reconhecimento e Controle das Operações com Papel Imune).
Na linha de frente da briga da indústria nacional e do Estado, está a diferença de preços praticados para o mesmo papel (principalmente do importado): com a finalidade publicitária, o preço final do produto está acrescido de II [3], IPI [4], PIS [5], COFINS [6] e ICMS [7]. Nesses casos, a alíquota de impostos pode alcançar em média 36%, dependendo do Estado. Com a finalidade correta, o papel importado recebe os benefícios da imunidade tributária.
Comparativamente, levantamentos da CNI e de algumas Federações Industriais mostram que os impostos incidentes sobre produtos à base de papel no Brasil variam em média entre 35 e 45% do preço final ao consumidor... um valor muito elevado.
Em resumo, a indústria nacional que fabrica este tipo de papel se blindou em um sistema protecionista, onde a disputa em maior escala se dá com o papel produzido no exterior. Trata-se, sob o ponto de vista de comércio internacional, de uma barreira tarifária à entrada de produtos importados.
Contudo, exemplos econômicos recentes mostram que as intervenções Estatais na economia quase sempre causam distorções de mercado, onde o principal afetado é o consumidor final, que normalmente paga mais caro pelos produtos adquiridos.
Dessa forma, a “energia” da indústria brasileira deveria ser focada na razão do problema: a elevada carga tributária incidente sobre os produtos comercializados no Brasil. O centro desse ponto de vista se baseia no fato de que a estratégia protecionista, adotado pelos Governos em vários países ao redor do mundo, é ruim para o consumidor e dá falsa ideia de proteção à indústria local.
Portanto, o foco atual da indústria nacional de celulose e papel no mercado de papel imune é ruim, tanto para o consumidor como para a toda a cadeia produtiva relacionada. Se o vilão são os elevados impostos incidentes no mercado doméstico, a alternativa mais evidente para aumentar a competitividade de toda a cadeia produtiva é a redução drástica e generalizada da carga tributária.
A carga tributária Brasileira retira a competitividade das empresas
O Brasil possui uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo. Um estudo recente do Banco Mundial comparou a competitividade de diversas economias globais, incluindo países de diferentes níveis de desenvolvimento econômico. Infelizmente, neste estudo, o Brasil se destaca negativamente em diversos aspectos.
Segundo o referido levantamento, a carga tributária do país representa aproximadamente 36% do PIB [8] (ver Figura 1), equivalente ao montante de impostos dos países mais economicamente mais desenvolvidos do mundo. A mesma Figura mostra que a maior parte dos tributos brasileiros recai sobre bens e serviços, ou seja, diretamente sobre o consumo das pessoas e empresas (16% do PIB brasileiro, muito acima da média até mesmo dos países ricos).
Figura 1 – Comparativo da Composição da Carga Tributária (% de tributos em relação ao PIB)
Fonte: Banco Mundial, compilado pela Marcio Funchal Consultoria
Em outra comparação, o Brasil é destaque negativo quando se compara ao peso da carga tributária com a renda individual dos seus cidadãos. A Figura 2 mostra que o Brasil possui simultaneamente o pior dos dois indicadores: elevada carga tributária e baixa renda per capta.
As duas comparações apresentadas comprovam que o peso da carga tributária na economia Brasileira é muito elevado. Não há outra alternativa para aumentar a competitividade das empresas brasileiras a não ser reduzir esse fardo, ou seja, diminuir os impostos.
Figura 2 – Comparação da Carga Tributária com a Renda Per capta
Fonte: Banco Mundial, compilado pela Marcio Funchal Consultoria
A intervenção governamental protecionista prejudica o consumidor final
Nos últimos anos, o FMI [9] e a OCDE [10] estão fazendo esforços para harmonizar os sistemas tributários das principais economias mundiais, dentro de uma realidade factível. O Brasil é signatário de parte das convenções propostas, mas como historicamente o país optou por uma estratégia altamente protecionista (contra o livre-mercado e liberalismo econômico), dificilmente assumirá padrões de tributação simulares às principais economias liberais do mundo. Em resumo, o Brasil coloca altos tributos sobre bens e serviços importados, com a ideia de “proteger” a indústria nacional.
Esta estratégia dá a falsa sensação de proteção à indústria nacional, mas na realidade a torna menos competitiva no mercado internacional. Este problema se agrava porque o consumidor final é quem paga por um serviço ou produto mais caro, seja de um produto nacional com alta carga tributária, seja de um importado acrescido dos impostos protecionistas.
Numa comparação simplista dessa estratégia protecionista, uma motocicleta KTM 1290 Adventure, modelo top de linha produzida na Áustria, tem preço de venda ao consumidor final na Europa de aproximadamente €15 mil (numa conversão direta em meados de 2018, cerca de R$ 69 mil). Pois bem, esta mesma motocicleta (bem importado sem nenhum modelo nacional equivalente) é vendida no Brasil por cerca de R$ 110 mil (preço final ao consumidor).
Mas o acréscimo de carga tributária não é exclusividade brasileira. Numa recente e crescente onda protecionista, os Estados Unidos lançaram uma intensa revisão de acordos comerciais, normalmente impondo tarifas sobre produtos importados pelos Estados Unidos, tais como aço e alumínio (25% e 10%, respectivamente).
Em resposta à essa medida, a União Europeia anunciou aumento das tarifas de importação de diversos produtos norte-americanos, dentre eles motocicletas (a alíquota de 6% subiu para 31%). Após estes fatos, um dos maiores ícones da indústria norte-americana, a Harley-Davidson, anunciou publicamente que transferirá parte da sua produção dos EUA para a Tailândia, de onde poderá produzir para exportar para a União Europeia sem estar submetida a esta nova tarifa de 31% (a mudança será completada em um prazo de 1,5 anos).
Na justificativa da companhia, o “tremendo aumento de custo, se fosse transferido às concessionárias e ao consumidor final, teria um impacto prejudicial imediato e permanente para o negócio, reduzindo o acesso aos nossos produtos e afetando negativamente a sustentabilidade das concessionárias”.
A opção de mudar o local de fabricação para otimizar custos, manter preços mais baixos e garantir a lucratividade da empresa tem total sentido econômico. Além disso, tem conexão direta com o respeito à propriedade privada: é direito de qualquer empresa privada (em uma sociedade livre e liberal) escolher sua localização e, principalmente, qual a melhor estratégia de produção.
A Harley-Davidson possui linhas de montagem no Brasil, Índia, Austrália e Tailândia. Isso traz duas vantagens à empresa:
Por um prisma, permite que ela evite as altas tarifas de importação impostas por esses países protecionistas, mas com grande mercado consumidor, podendo agora vender para estes mercados sem ser taxada com na importação;
Por outro lado, essas mesmas altas tarifas de importação garantem à empresa local uma grande reserva de mercado nestes países, pois a população local não pode importar motos de seus concorrentes estrangeiros. Este é um ótimo arranjo para a empresa. E, mais uma vez, uma intervenção do Estado imputando o ônus ao consumidor final.
Em outra disputa comercial, a cadeia produtiva de madeira sólida norte-americana (principalmente os atores da costa oeste) ganhou processo judicial para que o país impusesse sobretaxa à madeira importada do Canadá. E qual o resultado dessa medida? Aumento de competitividade da indústria norte-americana? Não: ocorreu um forte aumento de preços da madeira serrada no mercado de construção civil norte-americano, justamente num momento em que o país vive uma retomada das construções para moradia.
A Figura 3 mostra a evolução dos preços médios de madeira serrada (em termos nominais) nos Estados Unidos. Somente no ano de 2018, o aumento de preços já atingiu 28%, isso numa economia estável e com inflação de apenas uma casa decimal. E quem está pagando por esse custo adicional: o consumidor final.
Figura 3 – Evolução Nominal dos Preços de Madeira nos EUA (Base jan/2010 = 100)
Fonte: Nasdaq
Assim, com base nas justificativas apresentadas, a cadeia produtiva de celulose e papel brasileira deveria se concentrar no esforço setorial para baixar intensamente a carga tributária de todos os produtos e serviços desta cadeia produtiva, mediante articulação e pressão sobre o Estado.
O próprio RECOPI imputa aos participantes do sistema o ônus de fiscalizar cada uma dos entes que negocia o papel imune (o que por lei cabe aos agentes do Estado), sob pena de lhe serem imputadas multas por desvio de finalidade do papel isento de tributos, por um dos agentes (fabricante, transportador ou consumidor) envolvidos em determinada atividade comercial.
Com isso, manter a vigilância e idoneidade das operações de Papel Imune no Brasil tem sido é caro, burocrático e, até o presente momento, pouco eficiente. Estudos da IBÁ estimam que o Estado brasileiro deixe de arrecadar anualmente cerca de R$ 300 milhões por desvio de finalidade do Papel Imune. Contudo, não se calcula quanto o setor gasta anualmente para manter-se “legalizado” na burocracia do sistema RECOPI, nem tampouco quanto a mais o consumidor paga em termos de tributos com a elevada carga tributária nacional, incidente sobre toda a cadeia produtiva de celulose e papel.
O país está comprando a “briga” com o ator errado. Nossa luta precisa ser sobre a elevada interferência do Estado na economia, e nossa incapacidade de competir em preços em razão da alta carga tributária.
[1] Indústria Brasileira de Árvores [2] Confederação Nacional da Indústria [3] Imposto de Importação [4] Imposto sobre Produtos Industrializados [5] Programa de Integração Social [6] Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social [7] Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação [8] Produto Interno Bruto [9] Fundo Monetário Internacional [10] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
Artigo publicado originalmente na Revista O Papel/ABTCP - Coluna Gestão e Estratégia
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