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Foto do escritorMarcio Funchal

Formas de Abastecimento da Indústria Florestal Brasileira

Coluna mensal elaborada à pedido da Revista O Papel/ABTCP - Coluna Estratégia e Gestão - Edição de Outubro de 2022.

A indústria de base florestal é muito importante para a economia brasileira. Ela engloba uma intrincada cadeia de valor de diversos setores: celulose e papel, construção civil, móveis, energia, siderurgia e seus diversos desdobramentos e conexões multisetoriais. Nesse sentido, é esperado uma grande diversidade nas formas de abastecimento destas indústrias.


As indústrias adotam diferentes estratégias de abastecimento de madeira em suas operações. Neste artigo, o leitor terá um resumo dos principais aspectos relacionados às formas de fornecimento de madeira que as indústrias adotam no mercado nacional.

Importante destacar que não há um “certo ou errado”, ou “melhor ou pior” em termos de estratégia de abastecimento. Sempre há aspectos positivos e negativos em qualquer dos modelos escolhidos. Cabe a cada companhia definir a melhor escolha dentre as opções regionais disponíveis, em alinhamento com os seus princípios e macroestratégias.


Tipos de indústrias de base florestal: são definidas conforme a existência (ou não) de base florestal própria.

  • Indústria verticalizada autossuficiente: representa o grupo de empresas que possuem base florestal própria. Para estas indústrias, o foco é ter 100% de controle do seu abastecimento, sem depender de compras adicionais de madeira no mercado. Quando há, o excedente de madeira produzido pelas florestas próprias é normalmente negociado no mercado regional.

  • Indústria verticalizada com suficiência parcial: aqui as indústrias também possuem base florestal própria, mas o volume de produção é inferior à demanda da fábrica. Portanto, estas empresas possuem um “grau de dependência” de abastecimento de madeira do mercado, uma vez que precisam complementar o suprimento das florestas próprias com compras regulares e sistemáticas no mercado regional.

  • Indústrias sem base florestal própria: representa as indústrias que se abastecem integralmente de compras de madeira no mercado regional. As compras podem ocorrer de produtores florestais independentes e/ou de excedentes de madeira de indústrias verticalizadas.

Com base então nessas três situações, se descortina então um conjunto de possibilidades para os produtores florestais e gestores de fundos de investimento se organizarem para atendimento da demanda das indústrias.


1) Modalidades jurídicas disponíveis ao produtor florestal: são basicamente duas modalidades de produtores, definidas em razão da natureza do empreendimento.

  • Produtor pessoa física: nessa categoria se enquadram normalmente os produtores de pequeno porte, onde muitas vezes a propriedade rural possui vários usos (produção florestal juntamente com lavoura, criação animal, frutas e outras atividades econômicas). A opção de ser um produtor rural “pessoa física” normalmente se deve a razões tributárias.

  • Produtor pessoa jurídica: reúne os produtores florestais organizados em um modelo empresarial, no qual uma ou mais empresas estão à frente do negócio. Normalmente é representada pelos produtores florestais de médio e grande porte, sejam eles negócios com origem familiar (empreendimento que passa de geração em geração) ou fruto de investidores especializados (bancos, fundos de investimento e outros).

2) Modelos da produção florestal em relação à propriedade da terra: o ativo “terra” tem sido motivo de diferentes arranjos estratégicos para o produtor florestal. Sua importância cresce à medida que os preços da terra nua aumentam. As opções mais comuns disponíveis estão listadas a seguir.

  • Produção florestal em terra própria: é o modelo mais tradicional, no qual o produtor florestal é o dono simultaneamente do ativo biológico (floresta) e do ativo terra.

  • Produção florestal em terra de terceiros: quando o produtor florestal ou a indústria optam por produzir floresta em terras de terceiros. Esta escolha tem relação direta com aspectos jurídicos, tributários e estratégicos, principalmente no tocante ao relacionamento com os demais proprietários rurais da área de influência do negócio. Cada alternativa disponível possui um conjunto de qualidades e limitantes, que precisam ser plenamente avaliadas caso a caso. Resumidamente, as alternativas mais importantes são as seguintes:

  • Fomento: é uma alternativa adotada pelas grandes indústrias verticalizadas, que não possuem autossuficiência plena em abastecimento. Aqui são formalizados contratos entre a indústria e produtores rurais da região, em um amplo programa de relacionamento produtivo com a comunidade do entorno da fábrica. À indústria normalmente cabe a responsabilidade de disponibilizar a tecnologia do plantio (mudas e a capacitação técnica ao fomentado), a colheita florestal e a compra da madeira produzida no final do ciclo de produção. Ao proprietário rural fomentado, a responsabilidade é realizar o plantio e a manutenção da floresta. Podem ser incluídas formas de negociação onde o produtor rural fica com o direito de negociar parte da produção florestal no mercado regional (se assim o desejar), ou vender integralmente a produção para a indústria fomentadora. Podem ser incluídos, no programa, produtores rurais na modalidade “pessoa física” ou “jurídica”. O produtor rural (fomentado) recebe da indústria (fomentador) o valor da madeira produzida em sua propriedade. As formas de pagamento são as mais diversas, podendo ser feito pagamento único no momento do corte, ou antecipados pagamentos anuais, semestrais ou trimestrais ao longo do ciclo de crescimento da floresta. O prazo de duração do contrato é bastante variável, sendo normalmente de longo prazo (várias rotações).

  • Parceria na produção: é uma forma de produção em terras de terceiros similar ao fomento, porém encaixado em um programa menos estruturado, com menor “repercussão” pública. Possui as mesmas tratativas: o proprietário da terra é responsável por executar o plantio e a manutenção florestal, e a empresa lhe concede as mudas e a capacitação técnica. No momento do corte (realizado pela empresa parceira), o produtor obrigatoriamente tem direito a um percentual da produção, que pode ser vendida à indústria parceira ou no mercado regional a qualquer outro consumidor. O produtor rural (parceiro) recebe do coordenador da parceria (reflorestador independente ou indústria) o valor da madeira produzida em sua propriedade. As formas de pagamento são similares ao fomento: no momento da colheita ou antecipadas (parcelas anuais, semestrais ou trimestrais). O prazo de duração dos contratos varia, normalmente, de 2 a 3 rotações, renováveis. A modalidade parceria é normalmente celebrada com produtor rural “pessoa física” (por questões tributárias e legais).

  • Arrendamento: nesta modalidade, a produção florestal é realizada em uma propriedade arrendada, mediante o pagamento de uma taxa de arrendamento (condição semelhante ao aluguel de imóvel urbano). No arrendamento rural, o arrendatário (reflorestador independente ou indústria) arrenda a terra do proprietário rural (arrendador) por determinado período de tempo (normalmente 2 a 3 rotações). O arrendatário realiza integralmente o plantio, a manutenção florestal e a colheita. O proprietário rural recebe uma remuneração periódica (parcelas anuais ou semestrais) pela cessão da terra, que pode se basear em um percentual do valor venal do imóvel, ou remuneração equivalente à produção rural mais representativa da região (engorda do boi, produção de leite, plantio de soja e etc.). O arrendamento é prioritariamente celebrado com produtores rurais na modalidade “pessoa jurídica” (escolha tributária e legal).

  • Direito de uso da superfície: é uma modalidade contratual com as mesmas prerrogativas do arrendamento, porém com mais segurança jurídica para contratos de longo prazo (acima de 30 anos), principalmente no que tange ao direto civil em processos com herdeiros, bem como em situações de investimento com capital estrangeiro. Pode ser celebrado com qualquer tipo de proprietário rural (pessoa física ou jurídica).

3) Modalidades de venda da madeira em tora: a escolha da modalidade de venda da madeira precisa ser calcada no padrão comercial exigido pelas indústrias consumidoras da região, bem como na expectativa de remuneração do proprietário rural, ao final das operações logísticas. Via de regra, quanto maior a logística envolvida, mais “cara” é a madeira para o comprador.

  • Venda de madeira em pé: é a forma mais simples de venda, pois o proprietário rural não realiza operações de colheita das árvores e transporte de madeira. No Brasil, é escolhida normalmente por pequenos proprietários florestais (que não possuem estrutura operacional). Paralelamente, esta opção também é celebrada em negociações entre grandes parceiros comerciais (grandes reflorestadores com grandes consumidores), uma vez que a indústria consumidora possui toda a estrutura operacional para conduzir o corte e transporte da madeira até a sua fábrica.

  • Venda da madeira entregue no pátio industrial do consumidor: outra modalidade bastante praticada no mercado, esta é priorizada pelos grandes consumidores industriais. Ao produtor florestal cabe a responsabilidade de executar (com estrutura própria ou terceirizada) toda a colheita e logística da madeira entre a fazenda até o pátio industrial do consumidor, nas especificações por ele determinadas (umidade da tora, comprimento, diâmetros máximo e mínimo, presença ou não de casca, periodicidade de abastecimento e etc.).

  • Venda da madeira empilhada na beira da estrada ou no pátio florestal: praticada em menor escala, esta modalidade é um meio termo entre a venda da madeira em pé e a entregue no pátio do consumidor. É empregada por reflorestadores que possuem a equipe de colheita (própria ou terceirizada) e que vendem a madeira selecionada por classes de diâmetro e comprimento definidos para diferentes compradores. A madeira é entregue ao comprador, empilhada na beira da estrada, ao longo dos talhões de colheita, ou em pátios de madeira instalados dentro da propriedade.

  • Venda da madeira carregada no caminhão do comprador: modalidade que segue o mesmo conceito da anterior, com a diferença de que a madeira vendida é entregue carregada nos caminhões designados pelo comprador, na beira da estrada, ao longo dos talhões de colheita ou nos pátios de madeira instalados dentro da propriedade.

4) Tipos de venda de madeira do mercado regional: com relação aos tipos de vendas, as diferenças se dão em razão principalmente do prazo da relação comercial (do curto ao longo prazo).

  • Venda de madeira no mercado spot: é o tipo de venda de curtíssimo prazo. Normalmente a negociação se dá em razão de um determinado volume de madeira, que deve ser colhido e transportado dentro de uma janela de tempo (de 1 semana a 3 meses, conforme cada caso). Neste tipo de negociação, normalmente o comprador paga antecipadamente pela madeira, pois não há vínculo contratual além do contrato de venda spot assinado. Finalizado um contrato, as partes (reflorestador e indústria consumidora) fazem um novo contrato de compra e venda de madeira, e assim sucessivamente. O contrato comercial normalmente estabelece os padrões da madeira negociada (classes de diâmetros, comprimentos, volumes por classe de diâmetro, umidade, presença de casca e etc.).

  • Venda mediante acordo de suprimento de médio prazo: nesta modalidade, reflorestador e indústria consumidora assinam contrato de compra e venda de madeira, estabelecendo volumes mensais de abastecimento por período de 1 a 2 anos. As especificações da madeira comercializada são claramente definidas no contrato de abastecimento, bem como as regras para reajuste de preços e formas pagamento.

  • Venda mediante acordo de suprimento de longo prazo: praticamente idêntica ao caso anterior, porém considerando períodos próximos a 10 anos (ou mais). Não são comuns no Brasil, uma vez que as estratégias das companhias no país se modificam ao longo do tempo. Contudo, nos casos existentes, os participantes são de grande porte e com forte tradição no mercado.

Cabe ressaltar que estes aspectos não encerram as discussões a respeito das possibilidades que o mercado de madeira descortina aos seus participantes. Contudo, representa um apanhado geral das questões mais relevantes na concepção do modelo operacional dos reflorestadores e seu relacionamento com os consumidores industriais.


Coluna mensal elaborada à pedido da Revista O Papel/ABTCP - Coluna Estratégia e Gestão - Edição de Outubro de 2022.


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